“They’re All Beatniks”, é claro que somos Júpiter
- Jean Motta
- 12 de fev. de 2015
- 6 min de leitura

“Comecei a perceber que toda a minha geração, e também as pessoas que vinham logo avante, (...) de 27, 26, 25 anos e principalmente as meninas (...) usando jeans sem calcinha e alpargatas, eram todos beatniks. E quanto estúpido eu estava sendo, e ‘blind” and beat cego”.
Júpiter Maçã/Jupiter Apple, Programa do Roger – 29/01/15
Depois de mais um show histórico no Morrostock 2014, em pleno veraneio na província, quando ninguém mais esperava, Júpiter Maçã-Jupiter Apple, NOW Woody Apple ressurge com uma temporada inédita de dois shows na Casa de Cultura Mário Quintana. O espetáculo “They’re All Beatniks” aconteceu nos dias 4 e 5 de fevereiro, e certamente foi um dos momentos mais intensos na carreira do man e na experiência musical de seu público.
Apesar do excelente retorno de Júpiter Maçã aos palcos do sul no Morrostock, “They’re All Beatniks” era diferente, contrariava toda a lógica de seus espetáculos até então, pois sua proposta era inovadora e imprevisível, bem ao gosto ousado de seu idealizador. Os elementos postos eram instigantes: o show aconteceria em um teatro, o artista se apresentaria em um formato acústico, intimista em tom de monólogo, suas armas seriam apenas a voz, o violão (eventualmente a gaiata de boca e o piano) e algumas participações pontuais de Leonardo Boff e Lucas Hanke, apenas para criar o plano de fundo e o clima da performance.
O prelúdio deste novo movimento e transformação já havia sido anunciado, primeiro nos ecos vindos de São Paulo no ano passado, em seguida através de seu retorno a capital e parceria com a Marquise 51. No entanto, para a grande maioria do público, talvez apenas suas últimas aparições nos meios de comunicação, enquanto divulgava a temporada no Programa do Roger (TVCOM) e À La Minuta (Rádio Ipanema), tenham sido norteadores para esta nova proposta. Em ambas as situações o que se podia ver era o artista psicodélico e eletrificado de muitas gerações despido de toda e qualquer alegoria, o Júpiter Maçã nu em sua arte, de dor, erotismo e beleza.
Quando questionado no programa À La Minuta (04/02/15) sobre como lidou com o peso de ter sido considerado um gênio, Júpiter disse com tranquilidade:
“Amadureci, me assustei na verdade, porque eu tomei cuidado nesse lado, embora eu tenha um lado irresponsável muito forte, o lado responsável também é bem forte. Eu não acho que eu seja um gênio, eu já disse isso anteriormente, eu acho que eu sou esforçado. Eu percebo que eu tenho, eu sou um felizardo em ter as minhas anteninhas ligadas em tendências, eu consigo olhar pros 360 graus e captar o que está acontecendo e traduzir e deixar isso contemporâneo. Eu tenho esse dom, então eu acho que é isso, isso pode ser facilmente associado à genialidade eventualmente, mas não me levou a loucura, graças ao poder superior”.
Os ingressos se esgotaram em poucos dias, as atenções e a expectativa de todos se voltavam para os dias das apresentações. Com este cenário exposto era simples entender a expectativa do público, “They’re All Beatniks” soava como muito mais do que um novo momento na sua carreira, e parecia muito mais complexo do que apenas um artista se despindo de tudo, e se valendo de uma suposta humildade ao expor sua figura empunhando apenas um violão, era um momento sublime de um artista abstraindo em sua arte também o seu público: They’re All Beatniks.

Na noite do dia 5 de fevereiro o Teatro Bruno Kiefer estava apinhado de gente, aproximadamente 200 pessoas, das mais diversas ordens, aguardavam por ele. E foi sob calorosos aplausos que, ovacionado, subia ao palco Júpiter-Woody-Apple às 20hs e 30 min. Sorridente e simpático, após uma breve piada de quebra gelo para o público, ele se sentou em um banco alto no melhor estilo botequim e pediu café, para logo em seguida abrir o show com “Beatle George”, um clássico de Uma Tarde na Fruteira, talvez mais uma de suas ironias para o seu superado momento, agora beat-café-batido. Porém, o que surpreendia de fato ao ouvir este clássico acústico era, por assim dizer, o novo formato que a canção recebia, o solo inicial com a gaita de boca dava o tom e a batida no violão o corpo folk. Não é de hoje que Júpiter é conhecido por sua capacidade de se reinventar, se ele não se considera um gênio, concordamos que ele tem um dom criativo que foge do senso comum, o absorvendo e jogando de volta em uma peça única.
A partir deste mote as canções foram fluindo como se naturalmente tivessem sido compostas assim, e grandes clássicos como “Querida Superhist”, “Mademoiselle Marchand”, fizeram a plateia cantar junto com o man, coisa que alias aconteceu praticamente durante todo o show. “Nem em Cambridge se canta assim” ele brincou com o público que cantava, enquanto executava “Eu e minha Ex”, umas das canções consideradas “lado b” em seus shows, e que apenas durante as gravações de Six Colours Frenesi havia presenciado um registro tão especial. Outras canções como “As Tortas e As Cucas” e “Essência Interior” (outro lado b que felizmente também está no DVD Six Colours Frenesi) receberam participações especiais, Leonardo Boff esbanjou psicodelia nas teclas e deu uma pitada de loucura sessentista ao folk que Júpiter sustentava na voz e nas cordas.

Um espetáculo recheado de surpresas que incluíam uma versão de “A Lad & A Maid In The Bloom” recitada em português ao som sombrio do piano. O monologo “Incêndio de Roma” (que em uma noite antecedida por uma tarde de protestos poderia ser: “Queimem Porto Alegre”) trazia mais de sua poesia, em uma abstração do clássico no pós-moderno, sem perder a sua essência jovem e rebelde. Outro grande momento foi “Rosemary's Baby”, número lúgubre que dedicou a Roman Polanski, e que me lembrou da cena de Miles recitando um poema no clássico de terror inglês “Os Inocentes”.
Antenado e polêmico, pouco antes de executar “Welcome to the Shade”, um sucesso de Plastic Soda, mas lado b em seus shows eletrificados, Júpiter falava sobre uma pesquisa de opinião que resultou como sendo Plastic Soda o álbum favorito entre o público feminino, rindo ele disse que as mulheres realmente tinham bom gosto e perguntou para a plateia quantos eram feministas, após um grande número de mãos erguidas, ele disse: “Eu me considero feminista, confesso que às vezes sou um pouco machista, mas sobre tudo me considero humanista”.

Entre um gole de café e outro Júpiter-Woody-Apple conversava e fazia piadas com o público, agradecia as participações especiais não só dos músicos, mas de toda a equipe, pedindo aplausos e aplaudindo o público a cada nova interação com ele. Era um espetáculo vivo, com todos os requintes de um talk show inglês, só que com toda a paixão e delírio que somente os latino-americanos têm. E em um desses jogos com o público ele disse algo como: “Eu vou logo ali, peçam bis que eu volto, mas lembrem-se, comigo o bis é só uma mesmo!”, como combinado todos pediram bis por alguns instantes e ele logo voltou sob aplausos ainda mais eufóricos. E para a nostalgia e prazer de muitos encerrou o espetáculo com uma belíssima versão de “Um Lugar do Caralho”, com direito ainda, ao se aproximar do final da canção, de pedir gritos ao público que pudessem destruir o teatro.

Após algum tempo, como anunciado pela produção no início do show, Júpiter-Woody-Apple surgiu no saguão para recepcionar as pessoas. Demonstrando uma alegria dócil no sorriso e um olhar juvenil de um aquariano viajante no tempo, ele tirou fotos, deu autógrafos e conversou com os fãs.
Eu estava lá, e aproveitei a oportunidade para prestigiá-lo também, foi um grande prazer poder cumprimentá-lo, e dizer a ele que oito anos antes eu havia estado em um show antológico dele na extinta Garagem Hermética, dizer que apesar de concordar que as mulheres sabem mesmo das coisas eu também achava que Plastic Soda era o seu melhor disco. Entretanto nada poderia me preparar para o momento em que eu tive de corrigi-lo, em tom de brincadeira, no momento em que ele autografava meu ingresso e escrevia “Jean” com “G” e eu disse: “Não Júpiter, com J... É francês pô!” ao que ele respondeu rindo: “Ah, sim, sim, claro... claro... que gafe”.
“They’re All Beatniks”, é claro que somos Júpiter.
Confira alguns vídeos amadores no YouTube Fotos de Gerson de Oliveira
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